08 junho, 2009

Encontro de antigos alunos do Colégio Campos Monteiro

Realizou-se no dia 6 de Junho o encontro de antigos alunos do Colégio Campos Monteiro.
Os organizadores deste ano convidaram o “grupo de teatro alma de ferro” para que estes fizessem uma pequena tertúlia. O grupo aceitou o desafio e apresentou a peça que se expõe nas alíneas abaixo, que quis prestar uma homenagem ao escritor natural de Torre de Moncorvo que deu o nome ao colégio fundado pelo Drº Ramiro Salgado. O trabalho é do José Ricardo, que recentemente fez uma tese de Mestrado relativa ao escritor desta localidade e que pode ser consultada na biblioteca de Torre de Moncorvo.

ACTO ÚNICO

(entra a figura fantasmagórica de Campos Monteiro, sozinho em palco, deambulando de um lado para o outro)

CAMPOS MONTEIRO (com ar distraído) – Cem anos! Cem anos passaram. Os finais de século são assustadores! Repete-se tudo? Os valores, meu Deus, os valores! A ética! A moral!... Por onde andarão? Será que se perderam para sempre nos saudosos tempos do romantismo, em que a palavra contava? Em que a palavra não se vendia a quem desse mais? Tudo se repete… tudo se repete! Outra vez a República! Outra nefasta e cavernosa República!...

(Pequena pausa. Campos Monteiro admirado com o que ouvia e Dando conta que o escutam, olha de frente para o público, desafiadoramente)

CAMPOS MONTEIRO – Quem é este? Perguntais vós. Pois eu respondo... com todo o prazer vos respondo. Sou Campos Monteiro, Abílio Adriano Campos Monteiro! Fui, no meu tempo, um dos escritores mais populares e mais lidos. Já ouviram decerto o cumprimento republicano “saúde e fraternidade”. Pois bem! Foi precisamente arrebanhando jocosamente essa saudação que eu escrevi a sátira política com o mesmo nome. Sabem que Saúde e Fraternidade foi o livro mais vendido no primeiro quartel do século XX? 40 000 exemplares em seis meses! Um número enorme mesmo para estas primeiras décadas do século XXI, em Portugal. Vejo nos vossos olhos a pergunta: mas o que tratava, afinal, Saúde e Fraternidade? Já vos disse: sátira! (levantando o tom de voz) Sátira, que era o terreno onde minha pena melhor se sentia. (mais alto) Sátira, que era o género que melhor representava Portugal. E sabeis que esse livrinho foi reeditado em 1978? Por que será? A caricatura da Primeira República teve o seu prolongamento na terceira. E continua! (mais triste, olhando para o chão) E continua… Mas agora já não há Campos Monteiro!... Nem mesmo aquele que caluniou el-Rei D. Carlos, o António Albuquerque. Já não há visionários. Foi o que eu fui (pausa): um visionário. Por isso escrevi, no saudoso jornal Pátria!, em reposta a um caluniador, que tanto a monarquia como o republicanismo hão-de baquear um dia e que “há de levar muitos séculos, é evidente, tantos, que ninguém ainda hoje consegue aperceber os contornos d’essas novas modalidades governativas que as nações hão de adoptar um dia”. Mas não se iludam: sou monárquico. (pausa) É verdade que estive tentado pela República, pois éramos governados pelo execrado carcereiro João Franco. Mas nem mesmo o aceno de ilustres figuras republicanas como Sampaio Bruno me fizeram cair na tentação, apetecível em 1906. O ignóbil atentado que ceifou a vida a D. Carlos e a seu filho D. Luís depressa expuseram o verdadeiro republicanismo. (pausa) O que me restava, então? (pausa e olhando para o chão) Simples a resposta (pausa, olhando agora para a assistência, aumentando o tom de voz): remar conta a maré. E foi isso que fiz toda a minha vida, mesmo quando passei por aquela casa de vaidades que vós chamais agora, pomposamente, casa da democracia. (pausa) É verdade! Fui deputado monárquico pelo círculo do Porto. Curto período, esse. A esperança sidonista depressa se apagou. O que me restava, afinal? (pausa) “Domus mea este orbis meu”. (em crescendo) E sabem qual foi este meu mundo? Esta minha casa? A minha pátria? (pausa, na tentativa de criar um certo anseio na assistência) A língua, senhores, a língua portuguesa. Aquele poeta meu contemporâneo (bem diferente de mim, aliás) também disse qualquer coisa do género, não foi? “A minha pátria é a língua portuguesa”. Não podia estar mais de acordo. Me vou. Adeus!

(começa a caminhar, com passos lentos mas decididos, com os braços caídos e com evidentes sinais de desilusão, para o fundo do palco).

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