03 outubro, 2009

O vale era lindo!



"O vale era lindo. Das varandas do casal abarcava-se uma boa porção dessa planura ubérrima, apertada entre as serranias ásperas e medonhas. A Vilariça é uma espécie de coliseu, sendo a arena a planície alongada ao correr da Ribeira, desde lá da Burga até ao Douro; e os anfiteatros circundantes os lanços de encrespamentos montanhosos, aqui mais suaves, ali mais abruptos, sobre que o céu se fecha, como uma cúpula.
Defronte, cai o cerro da Cardanha quase a pique, sobre a estrada que ladeia o vale em rectas compridas, servindo as quintas do Zimbro, da Tarrincha e da Silveira, cujos casais se lobrigam no sopé dos barrais, a branquejar entre eucaliptos e acácias.
Num raro descanso que o granítico cerro consente, divisa-se a capelinha branca da Senhora do Castelo, de telhado em bico, que tira o nome de alguma fortificação ali estabelecida pelos romanos, com é lógico deduzir-se numa região onde há restos de estradas, de pontes e potes de moedas do tempo dos iluminados Césares.

Lá mais para jusante, onde a estrada inflecte para atravessar o Sabor na ponte grande, ainda se descobrem uns fragmentos de muralhas coroando um pequeno outeiro, onde me disseram existir, em tempos remotos, o povoado Vila Rica de Santa Fé origem, com pouca modificação de forma, do nome que o vale hoje conserva: Vilariça.
Da banda de cá, a limitá-lo, a serra da Lousa, rochosa e escura como a da Cardanha, e os montes e vales que descem aos borbotões da Horta, do Nabo e de Vila Flor, para estacar de pronto na margem da fecunda planície, como um esquadrão de cavalaria a que se puxa a rédea, num esticão.
Nesse enquadramento de taludes, sulcado ao centro pela ribeira, debruada a choupos, e dividido em canameiras e quintas famosas - o Lameirão e a propriedade do Dr. Águedo de Oliveira, além das já citadas e de muitas outras - descansa o vale, sereno como um lago, verde como uma seara em Abril.

De tudo dava essa Terra da Promissão, como Pinho Leal a alcunhou. Para se avaliar da capacidade de produção, está escrito que, duma vez, de 14 alqueires de trigo semeado, se colheram 2400!!!
Olivais, vinhas, amendoais, pomares, hortas, arvenses, cânhamo constituíam um mar de pujança que era riqueza para vós, para os muitos obreiros que ali ganhavam o pão e para o fomento do país que tinha na Vilariça uma fonte de produção apreciável.
O vale era lindo!!

Excerto retirado do livro "O Homem da Terra" de Luís Cabral Adão, publicado em 1986. O texto foi possivelmente escrito na década de 60.

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