Aqui há anos, na euforia de Abril, as multidões gritavam: «Os pides morrem na rua!». Não morreu nenhum, que se saiba, apesar dos gritos das multidões que ocupavam a rua, alardeando um poder afinal inconsequente, porque o poder tinha sido entregue em mão aos generais, no Convento do Carmo, para evitar que caísse na rua. É certo que o poder andou uns tempos na corda banca, tem-te-não-caias, mas a verdade é que não caiu na rua, onde, aliás, talvez nem coubesse, de tão cheia que a rua estava de multidões.
Palavra-chave de slogans para consumo imoderado de manifes e campanhas, jornadas de luta e comícios, a palavra rua ganhou, por essa altura, uma frequência que ninguém lhe conhecera antes, sugerindo, ao mesmo tempo, liberdade e prisão, vitória e derrota, gesto de paz e grito de guerra - sol e sombra, como nas praças de touros, lugar privilegiado para o jogo da vida e da morte.
texto: Afonso Praça, do livro Um momento de ternura e nada mais; Editorial Notícias, 1995
fotografia: Torre de Moncorvo
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