20 julho, 2012

Ai Adeganha - Canção

Ai Adeganha, terra formosa,
Botão de rosa, não tem rival.
O seu encanto não era ainda,
Terra mais linda de Portugal.

Ai queira Deus que não se acabem,
Ai em Moncorvo as inspeções.
Rapazes novos vão para Lamego,
Não tem medo são valentões.

Ai a Adeganha está de luto,
Por enterrarem o S. João.
Foram dizer adeus à bandeira
O ai, de lenço branco na mão.

Recolha feita pelo movimento Adeganha - Aldeia Viva, para a recriação da Segada e Malhada Tradicionais a 14 de julho de 2012, em Adeganha.

19 julho, 2012

Visita a Cilhades

 A Câmara Municipal de Alfândega da Fé organizou, em parceria com a EDP, uma visita à estação arqueológica de Cilhades, no dia 7 de julho.
Não costumo ter uma postura tranquila quando vejo o logótipo da EDP envolvido. Sempre fui, e serei, contra as barragens no rio Tua e Sabor, mas achei que esta iniciativa é daquelas que se repetem poucas vezes e não quis perder a oportunidade. Contactei o posto de Turismo de Alfândega e fiz a minha inscrição (paravam-se 5€).
Cheguei a Alfândega pouco antes da hora prevista, as 2 da tarde. Percorri pela primeira vez a o IC5 entre a Vilariça e a Vila, parecendo-me o caminho bem mais curto e rápido. Ao chegar a Alfândega senti-me completamente "perdido". Não é normal eu ficar desorientado, direi mesmo desNorteado, mas acho que isso se deveu a ir com atenção ao GPS (só por curiosidade) que também não reconhecia a estrada.
Para piorar as coisas a vila está completamente "em pantanas". Há paralelos por todos os cantos, os passeios estão desfeitos e as ruas esburacadas. Não tem um aspeto muito acolhedor. Só me senti orientado quando cheguei ao centro.
À hora marcada estava cheio um mini-autocarro e uma carrinha de nove lugares, cerca de 30 pessoas. Ao que percebi a procura excedeu as disponibilidades da oferta, sendo necessário limitar as inscrições.
Conheço relativamente bem a estrada de Alfândega à Póvoa, já no concelho de Torre de Moncorvo. Gouveia, Adeganha, Cardanha e Póvoa são aldeias que já visitei várias vezes. Quase não dá para imaginar, mas a minha esposa já lecionou na Cardanha. Nessa altura os alunos da Póvoa deslocavam-se para a Cardanha num táxi!
Fizemos uma paragem nos estaleiros da barragem. Distribuíram coletes, capacetes e panfletos sobre a obra. O meu constrangimento começou quando iniciámos a descida até às margens do Sabor. A desolação é tremenda. Nunca frequentei uma área de guerra, mas foi essa a ideia com que fiquei ao ver quilómetros de montanhas esventradas.
 Este triste cenário ficou para trás e aproximar-nos de Cilhades, no termo de Felgar, concelho de Torre de Moncorvo. Já tinha estado no local algumas vezes, por isso tinha alguma ideia do que iria encontrar.
A primeira paragem aconteceu no sítio arqueológico do Castelinho, alto amuralhado datado da Idade do Ferro. Este lugar era completamente novo para mim, mas tive dividir o tempo e a atenção entre a fotografia e a audição das explicações da equipa de arqueólogos no local. Fiquei positivamente surpreendido com a forma como o sítio foi apresentado, de forma simples, clara e creio que suficientemente histórica para todos perceberem o que se apresentava a nossos olhos.
O sítio fortificado parece estar datado da II Idade do Ferro, tendo um perímetro oval com cerca de 100 metros de comprido, com 60 de largo. A largura da muralha é de aproximadamente 4 metros mas no lugar mais acessível chega a ter 11 metros! Externamente há um conjunto de fossos a completar a linha defensiva. Na extremidade sul há uma rampa que dá acesso a uma entrada ladeada por dois torreões. Todo o interior está repleto de estruturas interessantes, que só os arqueólogos sabem descrever com exatidão. Além das estruturas visíveis têm sido encontradas muitos fragmentos cerâmicos, fíbuários de vários tipos, um anel, várias moedas, etc. Embora o sítio não tenha sido romanizado (possivelmente não era suficientemente atrativo), as moedas encontradas eram romanas sendo uma datada do ano 7 a.C.
 Também já foi encontrada uma cabeça antropomórfica, em granito. O que eu achei mais interessante foi mesmo um vasto conjunto de lajes em xisto, com os mais variados motivos gravados. Foi-nos mostrada uma no local, mas vimos um extenso conjunto delas nos estaleiro, na sala de Espólio.
A segunda paragem aconteceu na necrópole do Laranjal, a menor altitude, já no complexo de Cilhades. O nome Laranjal advém da existência de um conjunto de laranjeiras, numa zona com  mais de solo. Mas as sepulturas ultrapassam essa zona e espalham-se pela encosta, umas simplesmente escavadas na terra, outras bem delimitadas e cobertas por lajes em xisto. Aqui foram encontrados muitos ossos e alguns esqueletos quase completos. A existência deste cemitério era do conhecimento de algumas pessoas de Felgar, dado que alguns artefactos foram surgindo à superfície denunciando a sua presença. Deve ser do período medieval.
 Mais próximo das casas apresenta-se outra área onde há grande atividade de escavação. É o cemitério dos Mouros. A área é grande, mostrando muros de diferentes períodos, mas não nos foram mostrados elementos de relevo.
Visitámos algumas casas onde onde nos foi explicado como estavam organizadas e para que serviam.
Por último visitámos a pequena capela de S. Lourenço. Foram feitas prospeções no chão e nas paredes. É possível perceber que a capela tinha uma sacristia encostada, que foi destruída e o acesso tapado. A talha do altar estava coberta por uma tela.
É possível que a primeira capela se situasse no antigo cemitério do Laranjal. Há no local uma estrutura mais elaborada, com algumas pedras em granito, que pode bem ser a base de uma pequena capela. Foi também nesta área que foi encontrada uma ara votiva de granito dedicada a Tutela, um dos achados mais recentes mais relevantes. Já anteriormente  tinha sido encontrada no local outra ara votiva dedicada a Denso (ambas divindades tutelares).
A capela de S. Lourenço vai ser transladada para um local mais elevado, na margem oposta do rio.
Abandonámos Cilhades. O dia estava luminoso mas fazia algum vento e a poeira dificultou a visita e a audição das explicações, mas fiquei bastante satisfeito com o que vi, ouvi e fotografei.
 A paragem seguinte foi junto ao paredão da barragem. Quando atravessámos o leito do rio (moribundo), parecia que o paredão era gigantesco, mas quando nos colocámos à altitude a que vai chegar deu para perceber que ainda vai ser necessário fabricar muito betão (para contentamento do eng, Sócrates). O paredão vai ter 123 metros de altura. Os poços onde vão ficar as duas turbinas estão completamente enfiados na montanha granítica, não se vendo mais do que o local de saída da água para o exterior. Não vai haver nenhum sistema a  possibilitar a circulação de peixes. Na barragem mais pequena, a jusante, será construido um percurso alternativo (via ribeira da Vilariça) para a circulação dos peixes. Espero bem que isso não fique só no plano das intenções, como está a ficar a alternativa ferroviária, na Linha do Tua, na barragem de Foz-Tua.
Quando a barragem estiver concluída vai ser possível circular. O estradão que serve para os camiões vai ser transformado em estrada e estão já marcados alguns miradouros!
Toda a maquinaria estava em funcionamento, produzindo betão, que era despejado no paredão. Mesmo não partilhando da miragem do progresso e do benefício nacional que algumas pessoas veem nestas estruturas, não deixa de ser impressionante a capacidade do homem organizar tanta maquinaria, cabos, tubagens, etc. sendo capaz de mover montanhas.
Voltámos a atravessar o leito seco do rio em direção a Póvoa, onde se situam os estaleiros e o Gabinete de Espólio. A par do Castelinho e da necrópole do Laranjal, este foi um dos locais mais interessantes da visita. É impressionante o espólio recolhido! Foram-nos mostrados os achados mais importantes, podendo fazer perguntas e tirar fotografias. No entanto, fomos alertados para o facto de não deveram ser publicadas fotografias, o que me deixou bastante limitado. As lajes em xisto com guerreiros a cavalo, veados, javalis, ou simples padrões de riscas, ou estrelas impressionaram-me.
Nem todo o espólio está tratado, existindo muitos  achados encaixotados à espera da sua vez. Acredito que haja grande entusiasmo, porque os achados são de relevo e têm sido apresentados em encontros de arqueologia em Portugal e Espanha.
Se eu já tinha reservas quanto à construção da barragem - não me consigo esquecer que vai destruir território da Rede Natura 2000 - agora fico com a certeza de que também vai submergir importantes sítios arqueológicos. É que além daqueles que estão a ser estudados, e só do período românico já são bastantes, quantos mais se perderão para sempre?
Está assumido que a barragem vai produzir pouca energia, não vai servir para rega, funcionando principalmente como reserva de água e de energia! Está por estudar o duplo sistema de turbinagem e bombagem e a experiência já está a ficar-nos cara, mesmo sem sabermos se vai dar resultado. Será que as eólicas vão cumprir a sua função? Será que os parques eólicos conseguem manter-se sem os exagerados apoios estatais? São muitas perguntas por responder.
Terminada a visita à sala de Espólio terminou também o programa de visita, com o regresso a Alfândega da Fé, um pouco depois da hora prevista, porque toda a gente estava bastante entusiasmada.
Independentemente da minha posição em relação à construção da barragem gostei muito da visita. Cilhades e a zona envolvente, são espaços de acesso livre, podendo ser visitados. Os arqueólogos presentes mostraram disponibilidade para prestar esclarecimentos a potenciais visitantes. A obra do Escalão e a Sala do Espólio só são acessíveis em visitas autorizadas pela EDP, em iniciativas semelhantes a esta.
Ainda não está definido, ou eu não consegui perceber, o destino a dar ao espólio. As equipas de arqueólogos farão a divulgação gradual, em encontros ou artigos científicos, mas que não chegam ao grande publico. É natural que Torre de Moncorvo esteja interessado em manter e mostrar todo este espólio. A antiga escola Primária de Felgar pode ser a solução. Será necessário bastante espaço porque o espólio já é vasto e variado, mas, pelo que li, a referida escola tem 6 salas e alguma área coberta. O importante é não deixar sair o espólio da região, tal como já aconteceu com outro, nomeadamente algum encontrado no vale da Vilariça.
 Já em Alfândega da Fé decidi não usar o IC5 para voltar a casa. Percorrer as estradas estreitas e sinuosas do concelho é uma coisa que me dá muito prazer. Posso fazer inúmeras paragens, conhecer as pequenas aldeias e Descobrir as belezas do concelho.

Nota:
Esta reportagem foi inicialmente publicada no Blogue À Descoberta de Alfândega da Fé, porque a visita foi organizada pelo município Alfandeguense, mas, como o território visitado se situa no concelho de Torre de Moncorvo, pareceu-me bem republica-la aqui.

18 julho, 2012

Segada e malhada tradicionais em Adeganha (2ªParte)

Continuação de: Segada e malhada tradicionais em Adeganha (1ªParte)
Depois de almoço fiz um passeio pela aldeia visitando alguns espaços onde decorriam atividades.
Na Capela de Nª Sª do Rosário passavam ininterruptamente registos do passado. Gostei de conhecer o interior da capela porque já tinha fotografado o exterior em  2008, numa das minhas primeiras visitas à aldeia.
Na antiga Escola Primária decorreram atividades ao longo de quase todo o dia e estava patente uma exposição. O tear era o centro das atenções. A senhora Isabel Marinho manejava-o com a mestria de quem passa muitas horas neste ofício. Isto porque não o faz apenas para exibição, mas porque este é o seu trabalho de todos os dias. Os batimentos secos e repetidos nas tiras de trapos e a cadência alternada dos pedais despertavam as mais inesperadas perguntas das pessoas que nunca tinham visto um tear a funcionar. Era possível perceber o tratamento do linho e da lã, conhecer os artefactos, tocar no linho, na estopa, na linhaça, e, para finalizar, apreciar bonitos trabalhos feitos em linho e em lã, não peças do passado, mas peças que atualmente ainda têm grande procura e são muito bem pagas.
 Na escola funcionou a oficina de cardar e fiar, durante a manhã e oficina de urdir e tecer, durante a tarde. Também existiam espalhados pelo recreio jogos tradicionais como andas, piões, macaca, aro, etc.
Regressei ao largo, centro da festa. Não queria perder as principais atividades, a segada e a malhada. O campo a ceifar não era distante da aldeia. Pelo caminho ainda passei pelo forno, onde durante a manhã se fizeram económicos e pão, mas já "estava frio".
Pelas 5 da tarde chegou o "cortejo"! Foram muitas as pessoas que compareceram para verem e participarem na segada e malhada tradicionais. No mesmo horário estava ainda a decorrer na igreja de São Tiago Maior uma visita guiada (paga) patrocinada pela Direção Regional de Cultura do Norte, sendo impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo!
 A segada começou num ambiente de festa. Eram mais os fotógrafos do que os segadores. Pareceu-me que os olhos de ambos brilhavam de entusiasmo. Alguns dos segadores não realizavam semelhante tarefa há algumas décadas!
Gritava-se - O burro gosta da palha! Esta frase nunca a tinha escutado, mas percebe-se rapidamente; é mais fácil e rápido cortar o cereal mais pelo alto do colmo, mas os verdadeiros "profissionais" cortavam a palha o mais rente ao solo possível, aproveitando-a ao máximo.
 Cada um mostrou o melhor de si na seleção da granheira, no amanhar das gabelas e na feitura dos molhos. Os dedais ajudavam e as manadas eram fartas. Demonstrou-se a feitura dos banceilhos e os visitantes puderam aprender o manejo da seitoira e testar a sua destreza. Eu não quis ficar de fora.
 Chegou a canastra com a merenda e cabaça do vinho (para fazer esquecer as bilhas com água). A merenda não passou de uma simulação. Não se fizeram relheiros e passou-se à acarraja. Alguns molhos foram carregados às costas pelos segadores, outros foram carregados num burro (coitado do burro que passou toda a manhã a passear turistas!).
 A eira estava próxima. Tal como eu, muitos dos presentes pouca memória terão das malhadas feitas de forma manual, com um malho. Assisti, acho que pela primeira vez, ao astrar do cereal (espalhá-lo na eira para ser malhado), fazendo a covela, até o eirado ficar completo.
O trabalho violento e cansativo de retirar o grão da espiga com pancadas repetidas do malho não é comum em todas as zonas do nordeste. No Planalto Mirandês era feito com a ajuda de animais atrelados a uma alfaia própria, com o nome de trilho. O mesmo procedimento era utilizado para o grão-de-bico, tremoço e lentilhas.
 Durante a malhada o grupo coral entoou algumas canções típicas da malhada. A primeira passagem, a decrua, é muito violenta e o bater cadenciado e sincronizado os malhos é a melhor "música" que se pode ouvir, mas, depois de virada a covela e o eirado, começa a entravessa (segunda passagem) com pancadas menos violentas das mangueiras.
Os cânticos foram recolhidos e previamente treinados. Na encenação das atividades de segada e malhada (e do baile) esteve o grupo de teatro "Alma de Ferro" de Torre de Moncorvo.
O vento não se mostrou colaborante, mas conseguiu-se separar o coanho ou rabeiras do grão após alguma insistência e muito jeito.
 Terminada a tarefa, a merenda da malhada foi servida na sombra de um gigantesco sobreiro, próximo da eira, numa toalha, no chão. Convencidos de que haveria muitos candidatos para a merenda, apenas levaram 6 pratos, os suficientes para os malhadores! Mesmo assim, usou-se uma técnica antiga com várias pessoas a comerem do mesmo prato! O aspeto das migas de bacalhau era fantástico e o sabor ainda melhor. Estou convencido que numa situação real haveria na toalha muitas mais iguarias.
O grupo regressou ao largo das Amoreiras, para o ensaio do baile. Não ao som a música popular mas de canções tradicionais de Adeganha, dançadas em jogos de roda.

Vamos seguindo avante,
Caminhos da nossa aldeia,
Mostrando as nossas rendas,
Mais as nossas finas meias.

E nós os nossos calções,
Nossos pés tão delicados,
Nossos copinhos bem feitos,
Pelas damas invejados.
 O "mestre" dos ensaios e impulsionador do evento, André, bem se esforçava por convencer os pares do baile de que os passos eram simples, mas alguns pés de chumbo teimavam em trocar a esquerda com a direita, ou em se agarrarem à mulher do par do lado. Depois de algumas repetições, as coisas começaram a funcionar. Eu também ensaiei alguns passos de dança.
Contrariamente àquilo que eu esperava, à ceia o movimento foi bastante menor do que ao almoço. Só na barraquinha onde eu almocei foram servidos mais de 70 refeições, mas à noite tudo esteve mais calmo. A ementa também era rica, eu aproveitei para terminar com as migas da segada e uma alheira assada nas brasas.
Pelo recinto, alguns grupos tentavam espetar pregos num cepo, para testarem quem seria o mais rápido. Não sei se pelo calor da bebida, ou se pela falta de luz (ou de jeito), a maior parte das marteladas saía ao lado.
Mais tarde atuou o grupo Mundibaile, que executou música para dançar, e executaram-se as danças treinadas ao fim da tarde. Já não estive presente nessa parte da festa, mas a julgar pelas fotografias que já vi, deve ter sido um final bastante animado.
 Estas atividades designadas Segada e Malhadas tradicionais deram uma dinâmica diferente à aldeia de Adeganha, justificando a utilização das palavras Aldeia Viva. Essa dinâmica não apareceu no dia 14 de julho, iniciou-se muito antes, com investigação, planificação e ensaio. Tudo isto surgiu graças a um movimento designado Adeganha, Aldeia Viva que integra algumas pessoas envolvidas nos estudos arqueológicos a decorrer no vale do Sabor na consequência da seu aproveitamento hidroelétrico, com a tão polémica barragem e que residem temporariamente em Adeganha.
Houve também o apoio direto da ACE, consórcio formado para a construção da barragem e do grupo de teatro Alma de Ferro. A Junta de Freguesia "está sempre presente", como o seu Presidente me disse. Estranhamente a  Câmara Municipal preferiu ficar à margem, apesar de ter sido solicitado o seu apoio.
De parabéns está toda a população de Adeganha e demais participantes. A sua entrega e simpatia são o que de melhor vi nesta iniciativa. Quando falei com uma pessoa do coro sobre o entusiasmo que ela colocava no canto, limitou-se a responder-me - Pudera, estou a representar À'deganha!

Nota de editor: Fotografias e texto de Aníbal Gonçalves.

17 julho, 2012

Segada e malhada tradicionais em Adeganha (1ªParte)

Teve lugar no dia 14 de julho, em Adeganha, a realização de uma segada, seguida de malhada, tradicionais. Na verdade foi muito mais do que isto, dado que foi um dia inteiro de atividades, das quais vou dar o meu testemunho pessoal.
A notícia chegou-me via Facebook. Parece que não é só nas grandes cidades que se promovem eventos recorrendo às redes sociais, defeitos à parte, as tecnologias também têm as suas vantagens.
Cheguei a Adeganha a meio da manhã. Desde o IC5 que encontrei placas específicas sinalizadoras do local do evento. Isto demonstra a preocupação em facilitar a vida às pessoas.
No largo da Lameira a azáfama já era grande. As bancas de produtos locais estavam muito atrativas. Além de produtos da aldeia identifiquei bancas de Estevais e da Cardanha.
Havia uma exposição de alfaias ligadas ao cultivo do cereal e à feitura do pão. À entrada no recinto estava um carro de bois carregado de cereal, dando as boas-vindas a quem chegava.
Andando de um lado para o outro perdias atividades previstas para a manhã, que eram: yoga, oficina da lã e do linho, oficina do pão e dos bolos tradicionais.
 O sino da igreja chamou os crentes para o culto. Alguns com um traje já pouco habitual, outros com um traje domingueiro mais atual, era sábado, mas de festa, todos se juntaram na antiquíssima igreja de S. Tiago para a Eucaristia. Meso com a presença dos visitantes, a igreja não encheu. Durante a celebração foram houve duas ideias que o sr. Padre realçou e me chamaram à atenção. A primeira tem a ver com o título do movimento que realizou a festa - Aldeia Viva. Também a igreja incentiva à entrega, à partilha à participação, só assim se pode ser um bom católico. A segunda ideia está intimamente ligada com a Eucaristia e com a partilha de Deus sob a forma de pão. "Eu sou o pão vivo, descido dos céus", cantou o grupo coral.
 Após a Eucaristia aproveitei para apreciar a igreja. Não foi a primeira vez que a visitei, mas este monumento é merecedor de mais do que uma visita. A igreja é do séc. XIII sendo monumento nacional desde 1944. è um dos mais belos templos românicos de Portugal. Para além de outros elementos dignos de realce por especialistas, a mim agradam-me particularmente a figura das três mulheres no frontispício (que dão origem a uma curiosa historia, mas que possivelmente representam um parto) e o motivos representados na cachorrada, sobretudo zoomórficos com pássaros, touros, etc. No interior chamam à atenção dois altares laterais em talha dourada e os frescos nas paredes, bem ao estilo da Ermida de Nª Sª da Teixeira na freguesia da Açoreira.
Dirigi-me à pressa para o largo da Lameira. Estava à espera de uma cerimónia formal de bênção do pão, mas não chegou a acontecer!
À hora de almoço fiz uma passagem por todas as tasquinhas fazendo um "inventário" das possibilidades. A oferta era bastante variada, dentro dos tradições das segadas e malhadas. Havia rojões, carne estufada, milhos, feijão frade com atum, dobrada, caldeirada de borrego, migas de/e com bacalhau. A minha escolha recaiu sobre a tasquinha da Comissão de Festas de Nª Sª do Castelo. Acho que fiz uma boa escolha, e aponto apenas duas razões. Comi rodeado de gentes de Adeganha, a maior parte idosa, com quem conversei longamente . Neste grupo estavam, entre outros, o Sr. Moisés e o Sr. Francisco Barros, pessoas com a pele queimada de muitos sois e os dedos habituados aos dedais.
 Antigamente a época da segada era longa. Começava na Vilariça, mais quente, na Horta ou Junqueira e prolongava-se durante mais de um mês, em altitude, lá para o Planalto Mirandês, no Variz, Urrós ou mesmo Duas Igrejas. Terminados os dias de trabalho, alguns regressavam de comboio, pela antiga Linha do Sabor, outros voltam a pé, com o burrico pela rédea e menos de 1000 escudos no bolso. E ... havia festa.

 A segunda razão porque fiz uma boa escolha foi  ementa. Paguei 7€, mas tive a possibilidade de provar todos os pratos ( e eram bastantes). Acompanhei tudo com salada de alface com porretas (folhas aéreas da cebola), mas havia batatas cozidas, a murro e arroz. Estava tudo excelente e não me coibi de dar os parabéns à D. Ermelinda Pinto pela confeção de tão fausto e e apetitoso almoço.
Como sobremesa havia laranjas e peras, tudo de produção local, arroz doce e, novidade para mim, milhos doces! Gostei desta iguaria tradicional.
É à mesa que se cultiva a amizade e a refeição serviu para eu me sentir integrado e à vontade com as pessoas de Adeganha. Conheci o Sr. Presidente da Junta, o já "amigo virtual" Bruno Moreira, revi os amigos Leonel Brito e Arnaldo Silva, da vila.
 Depois de uma tão substancial refeição a solução foi queimar algumas calorias nuns passos de dança. A acordeonista Cristiana lançou a música a jeito e os mais animados não se fizeram rogados. O recinto era espaçoso e os dançarinos poucos (embora bons). Também se cantou o fado, por jovens e menos jovens. Se alguma desafinação houve, a culpa foi de certeza do acompanhamento instrumental e não da sangria, que estava ali mesmo ao lado.

Continua: Segada e malhada tradicionais em Adeganha (2ªParte)