14 junho, 2009

Ultreia!


Fiz o “Caminho de S. Tiago”, mais conhecido por “Caminho Francês”. A ideia já existia na minha mente há muitos anos, mas nunca a tinha concretizado porque nunca tinha encontrado alguém que, tal como eu, estivesse disposto a percorrer de bicicleta 800 km, desde S. Jean-Pied-de-Port a Santiago de Compostela, sem se importar com as dores musculares, as intempéries, os calores, os frios…
Não sabia o que ia encontrar, como é lógico, desconhecia que era percorrido por centenas e centenas de pessoas de todas as nacionalidades, alemães, franceses, americanos, mexicanos, brasileiros, sul-coreanos… não sabia quem eram essas pessoas, quais os impulsos que as levavam a levantar-se cedo, a caminhar debaixo de um sol abrasador e a menosprezar os frios penetrantes da montanha. Depois de o fazer contínuo ignorante, talvez seja a fé a mover montanhas, talvez haja um recolhimento interior, demasiadamente humano, que se encontra quando se caminha sozinho, longe do bulício da vida e que dá forças para continuar, a fazer o percurso do sol, passo após passo, em direcção ao fim, mas que depressa parece transformar-se em princípio.
Por mim, digo apenas que me fascina o misticismo a ele ligado, fascina-me ser capaz de encontrar nos imensos monumentos, nos imensos sinais encontrados ao longo do caminho uma linguagem simbólica, que se perdeu nas brumas do tempo, mas que continuam ali, à espera de serem verdadeiramente encontrados. Fascina-me a ideia de um espiritualismo secreto, que se descobre apenas quando se percorre, quando se tem a noção do conjunto, um caminho capaz de transformar, seja a alma que for. Penso que também me transformou, aliás, como todas as experiências humanas. Nele, em Roncesvales, ouvi a trombeta de socorro de Rolando ecoar ao longo do vale verdejante, compreendi o orgulho e a valentia que o levou a quebrar a sua Durindana ao perceber que estava prestes a morrer. Lá no alto, na Cruz de Ferro, escrito nas pedras que tradicionalmente se colocam a seus pés, e nas lágrimas que vi derramar, fui capaz de perceber a força sobre-humana que os leva a continuarem dia após dia. Em, “El Cebrero”, isolado, cortado por um vento penetrante, envolto em misteriosas nebrinas, uma igreja rústica, mas simultaneamente reconfortante, entrei na mística da lenda que o liga ao Santo Graal. No Monte del Gozo, senti o verdadeiro gozo que é avistar a o fim da viajem.

BUEN CAMINHO!

António Lopes

Fotografia: Pormenor do frontispício da igreja matriz de Carviçais.

9 comentários:

Wanda disse...

Olá
Lopes, ainda pretendo fazer essa caminhada.Já fui á Santiago da Compostela, mas acredito que fazer a caminhada é algo indescritível!
Na minha mente se misturam as Florestas de Navarra,os campos galegos,os monastérios, encontrar com os peregrinos que serão nossa companhia em algum momento, abraçar o santo, assistir a missa do peregrino ao meio-dia, ver o botafumeiro imenso em movimento na nuvem de fumaça e fogo, pessoas de todas as línguas, credos e condições se relacionando sem a menor dificuldade.
Ver as angústias, sofrimentos e orações dos maçons que choram no meio dessas pedras, porque eu também adoro rituais, embora contraditoriamente eu não seja mística.
Acredito que sentirei o tão falado enlevo espiritual, de êxtase perante a solidão com Deus e a natureza que esse roteiro proporciona e gritar nem que seja para mim mesma, Utreia! ao avistar o Monastério de Santiago.
Eu tenho um sonho!
Que bom que conseguistes!
Abraço
Wanda
São Paulo, 14 de junho de 2009

António Sá Gué disse...

Olá Wanda!

Sei que vives no Brasil, por isso te digo que encontrei muitos brasileiros ao longo do caminho, o inicio da conversa era sempre o mesmo: como sabiam da existência do "Caminho de Santiago", sim! porque desconhecia que o nome do caminho chegasse tão distante, a outros continentes. A minha curiosidade ficou satisfeita quando uma das pessoas com quem falei me disse que no Brasil existem associações onde as pessoas trocam saberes, falam com quem fez, pergunta quem quer fazer, enfim… acho fantástico.
Também te posso dizer que ao longo do caminho encontrei sempre pessoas com um nível cultural muito grande, e existe um espírito de ajuda, compreensão e de companheirismo que muito me tocou. É impressionante o número de obras arquitectónicas que se encontram ao longo do caminho, assim como é fantástico o número de lendas e curiosidades relacionadas com o caminho que existem em todas as aldeias e vilas.
Estou a fazer um pequeno resumo daquilo que vivi ao longo dos nove dias, talvez o publique aqui também.
Abraço.

J. Rodrigues Dias disse...

Olá:

Estive duas vezes em Santiago de Compostela: a primeira em turismo, a segunda em trabalho. É, de facto, impressionante a pujança daqueles sentimentos que emanam das pessoas, em especial na Catedral, envolvendo o Santo.
Sinais encontram-se também nas pedras da própria Catedral, feitas por certo por mestres construtores, dando continuidade às "viagens".
Viagens feitas também de outros pontos, como é o caso do sul de Portugal e do Alentejo, em particular. Creio ter ouvido que um desses caminhos estaria ligado ao Convento da Orada, perto de Monsaraz, um local a visitar, próximo de Alqueva.

Um abraço,

J. Rodrigues Dias

Wanda disse...

Olá!
J.Rodrigues, aqui no Brasil temos uma peregrinação chamada Caminho do Sol, que é uma caminhada com características parecidas com a de Santiago de Compostela.Ela é feita somente no estado de São Paulo e tem 24 Km indo de Santana do Parnaíba até Águas de São Pedro.
Em águas de São Pedro existe a única casa de Santiago fora da Espanha.
Dê uma olhada no site:
http://www.caminhodosol.org/index.htm

Parece interessante, ainda não me propus a fazê-lo, mas quem sabem em agosto eu me atreva?

Abraço
Wanda
São Paulo, 15 de junho de 2009

J. Rodrigues Dias disse...

Olá, Wanda:

"O CAMINHANTE NÃO EXIGE, AGRADECE."

Espreitei, rapidamente, o site de onde retirei a frase anterior.
Tem uma carga simbólica no momento presente, quando tudo se exige e nada se agradece (estou a exagerar um bocadinho).
Somos, na Vida, todos caminhantes na procura de algo, o que quer que seja! Talvez volte a falar sobre isto.

Um abraço, com um muito OBRIGADO!

J. Rodrigues Dias

Wanda disse...

Olá!
Corrigindo a distância percorrida pelos caminhantes do Caminho do Sol
é 240 km e não 24 km.
Antonio de Sá Gué, Dê uma passadinha no site também.
Eu tinha escrito um recadinho para ti , mas acho que na hora que cliquei o enter e ele não foi.
Espero que nos mostre o resumo da tua viagem, ok?

Abraço!
Wanda
São Paulo, 15 de junho de 2009

Anónimo disse...

Sá Gué,
Há coisas assim, não há fome que não dê em fartura. Dois blogues =a dois textos iguais.Coitado do Aníbal, velho caçador solitário ,perdido entre fragas recorre a um cão de companhia quando o que ele precisa é de olfacto e tacto. Bela lição de saber estar e sorrir que nos deu. Obrigado .
O Lápis do Lopes

14 Junho, 2009
Ultreia!
BUEN CAMINHO!
António Lopes

Nota:Este texto saíu a 10 de Junho no blog Palavras ao vento de António Sá Gué.
E agora Aníbal?

AG disse...

Parece haver alguém muito incomodado com o texto da autoria de António Lopes, tanto que já tive de rejeitar alguns comentários cínicos de quem não tem nada que fazer senão tentar destruir. Se alguém tem alguma alguma coisa a dizer é o autor. Se lessem o segundo comentário verificariam que o próprio António Sá Gue respondeu à Wanda e não me pareceu muito aborrecido. Nem podia estar, porque foi ele próprio que me enviou o texto, curiosamente assinado como ANTÓNIO LOPES! Estão a perceber?! Já sabia que o texto já tinha sido publicado no blogue Palavras ao Vento, só que por razões que não me apetece revelar, achei que devia publicá-lo, só não pensei que houvesse tanta gente interessada em censurar as publicações deste blogue.
Há tanto por aí para descobir...

Rui Carvalho disse...

Cum catano....este texto tb está no Fórum de Carviçais...ohhh e eu a pensar que era exclusivo do Fórum Carviçais!!!

Agora fora de brincadeiras..o que é bom é para se partilhar, e os textos do Gué são bons, portanto podem e devem andar de Blog em Blog ...mai nada.
Botai lá....