31 março, 2009

À Descoberta, até Felgueiras

Os primeiros dias de Primavera estiveram convidativos para um longo passeio. Foi o que eu decidi fazer, em companhia dos meus dois filhos, no dia 28 de Março.
O passeio iniciou-se no coração do vale da Vilariça, mais concretamente na ponte da Junqueira, precisamente onde começa o concelho de Torre de Moncorvo. Quem por ali passa quase nem se apercebe da existência de uma ponte mais antiga, uns poucos metros mais abaixo. Essa ponte foi destruída numa cheia que ocorreu a 17 do Junho de 1955, ainda assim se mantém desde então.

A primeira paragem foi na Junqueira. O dia estava frio, mas bastante agradável para passear. A primeira tentação foi trepar a um dos cabeços a nascente da pequena aldeia. Tivemos que desistir a meio, mas a tentativa valeu a pena. Conseguimos uma visão diferente. Estou mais habituado a ver a Junqueira do alto da aldeia abandonada do Gavião, espreguiçando-se indolente ao sol do fim da tarde.

Descemos de novo à aldeia e percorremos as principais ruas. Pouco depois, já quando partíamos em direcção a Moncorvo, alguém se sentiu incomodado com a nossa presença, adoptando uma postura muito hostil. São os contratempos de partir À Descoberta, nunca sabemos quem vamos encontrar pela frente.

Já em Moncorvo procurámos um restaurante para almoçar. Escolhi uma ementa mais ao gosto dos meus jovens acompanhantes, não queria “castigá-los” também com a refeição. Depois do almoço fizemos um passeio pela Corredoura. Tentei encontrar elementos dos contos da Júlia, bruxas, lobisomens, mas apenas me consegui recordar do calor das noites de Verão de quando ali vivi.
Subimos depois ao Museu do Ferro. O Nelson tinha recolhido em Freixo algumas imagens dos Sete Passos que me queria mostrar. Vistas as imagens (e muita conversa depois), continuámos o percurso, porque o nosso destino era Felgueiras.

De repente, o céu escureceu. Levantaram-se fortes rajadas de vento que trazia uma tempestade de areia Reboredo abaixo. Andam máquinas gigantescas a surribar os cumes que arderam recentemente! Começaram a cair algumas gotas. Procurámos refúgio na capela de Nossa Senhora da Teixeira.
A chuva já caía raivosamente, estava tudo escuro e revoltoso à nossa volta. Por momentos sentimos o isolamento do ermita que aqui habitou no século XVI. Esquecemos a chuva, o vento, para dedicarmos algum tempo a admirar os frescos que decoram a galilé. Vale bem a pena fazer uma visita a esta capela. Eu já a conhecia, mas foi bom visitá-la de novo, até porque pelo facto de ter que responder a uma série de perguntas dos meus acompanhantes me levantou muitas questões. Porque é que está ali, no meio daquele descampado, numa construção tosca, um vasto conjunto de frescos inspirados possivelmente em El Greco e na Capela Sistina? Porque é que esta preciosidade não está mais protegida?O tempo melhorou. Despedimo-nos da pietá, que nos franqueou a entrada, e voltámos à estrada. A paragem seguinte foi na Açoreira. Não deixa de ser curioso manter-se na Açoreira o culto a S. Marinha, também existente no concelho de Vila Flor e que remonta talvez do séc. IX. A sua festa é no Domingo de Pascoela, uma boa ocasião para se conhecerem algumas tradições da Açoreira.
A aldeia tem certamente origens bem antigas, como o provam as suas casas e palheiros em xisto.
A etapa seguinte esperava-nos a poucos quilómetros, Maçores. Percorremos algumas ruas da aldeia, mas o que nos marcou mais foram mesmo alguns palheiros circulares, em xisto, que perecem ter sido retirados de um filme sobre uma civilização antiga.
Deixámos Maçores em direcção a Felgueiras. A estrada, com acentuado declive, em pouco tempo nos colocou a quase 800 metros de altitude. O tempo melhorou ligeiramente mas nada que nos permitisse usufruir de toda a beleza que se pode contemplar deste ponto tão elevado. Pode-se “voar” até Peredo dos Castelhanos, e, com pequenos saltos de pardal, passar para Urros, depois Ligares, ou então olhar em sentido oposto e apreciar a Primavera que acorda em cada planta que cobre a serra de um verde rasteiro. Giestas, urzes, arçâs, estevas e sargaços são algumas das espécies que completam os espaços que os sobreiros, pinheiros e zimbros dominam.
Chegámos, por fim, a Felgueiras. A receber-nos estava a capela de Sta Edwiges, nome que sempre me causou alguma estranheza. Sei hoje que esta santa é a protectora dos pobres e endividados. A sua história é muito interessante e o seu papel social na ajuda dos mais necessitados é um bom exemplo para os dias que atravessamos.

Quase sem querer, cortei à esquerda nas primeiras casas. A minha intuição era de que o Lagar da Cera se situaria nessa direcção. Mesmo 14 anos depois, não me enganei! Embora em Felgueiras haja várias actividades económicas, é a cera que torna esta aldeia singular (também o trabalho do ferro teve grande tradição). Foi o lagar comunitário da cera que trouxe Santos Júnior a Felgueiras e que tem também levado a aldeia por várias vezes à televisão. O lagar, situado perto da ribeira de Santa Marinha (!), resiste ao tempo, mostra as suas rugas, mas não é tratado como merece. Se o projecto da sua recuperação foi distinguido em 1987, que se passou então? É pena que também este património esteja a perder-se pouco a pouco. Há que unir esforços. Não podemos esperar até que a sua preservação e recuperação sejam impossíveis.

Perto do lagar pude apreciar um espaço agradável, com uma original fonte. O painel de azulejos, apesar de moderno, está bem enquadrado no conjunto. Noutros pontos da aldeia há outros espaços, igualmente arranjados, alguns resultantes da demolição de casas abandonadas.
As casas onde se produzem velas estavam fechadas. Percorremos a aldeia. Tal como tantas outras, são evidentes os sinais de abandono. As pessoas mostraram-se afáveis, prestáveis, embora curiosas. Só um céu negro e uma chuva forte nos impediu de continuar À Descoberta de outros pontos de interesse da aldeia. Foi sem dúvida um bom passeio (de reconhecimento).
Voltámos à estrada, em direcção ao Carvalhal.
Quando atingimos o ponto mais alto do percurso, 831 metros, alguns farrapos de neve vieram colar-se ao pára-brisas do carro. O frio era muito e abstivemo-nos de fazer mais paragens no percurso. Descemos à vila, atravessámo-la e seguimos até à Foz do Sabor. As sombras já começavam a cobrir o vale. Seguimos pela estrada das Cabanas até à Quinta da Silveira, e depois até à Ponte da Junqueira.
Lavámos um par de horas a percorrer 73 quilómetros de estrada, mas “Descobrimos” um bom pedaço do concelho! O dia, risonho de manhã, trocou-nos as voltas à tarde. Mas, mesmo assim, valeu a pena. Este é um reino maravilhoso que vale a pena descobrir.

30 março, 2009

Moncorvo é notícia - Mar09

Outras Notícias sobre Moncorvo

29 março, 2009

O último apito


Abílio Carvalho passou cerca de 20 anos a comandar o comboio entre o Pocinho e Duas Igrejas

A última viagem na Linha do Sabor – entre o Pocinho e Duas Igrejas- foi efectuada por Abílio Carvalho, 69 anos, o ex-maquinista natural de Carviçais.

A via encerrou em 1988 e ainda hoje o ferroviário de outros tempos lamenta o facto da CP ter rebentado a linha que foi construída pelos transmontanos.
“Embora não andassem lá comboios gostava de ver o património no local, até porque não foi com o dinheiro da venda do ferro que a CP enriqueceu”, ironiza o antigo maquinista.
Abílio Carvalho iniciou a sua carreira nos caminhos-de-ferro como limpador de carruagens (em 1962), mas a ambição levou-o a efectuar uma série de formações e a concorrer, em 1970, para maquinista. “Só não fui inspector porque não quis, apesar de ter sido chamado”, diz com orgulho.
Com uma vida ligada aos comboios e, em particular à Linha do Sabor, o ex-funcionário da CP afirma que comandar o comboio tinha as suas dificuldades, devido à inclinação acentuada da linha na zona de Torre de Moncorvo.
Mesmo assim, Abílio Carvalho fala com saudade dos anos que dedicou aos comboios a carvão e às automotoras. “ Foram tempos em que todas as freguesias encostadas à Linha do Sabor tinham muito movimento, que desapareceu com a partida do comboio”, lamenta.

“Não há nada como o comboio. A passagem da máquina transformava a paisagem com o seu fumo negro”

Depois do troço entre o Pocinho e Duas Igrejas encerrar, a CP ainda disponibilizou, durante alguns anos, um serviço de camionetas, que faziam a ligação entre as antigas estações de comboio. Era nesse meio de transporte que o maquinista se deslocava até Carviçais quando foi transferido para Barca d` Alva.
“Não há nada como o comboio. A passagem da máquina transformava a paisagem com o seu fumo negro. Havia turistas que nos pediam para meter mais carvão à máquina para tirarem fotografias ao comboio a deitar fumo negro”, sublinhou o ex-ferroviário.
Enquanto maquinista, Abílio Carvalho conta que passou por algumas aventuras engraçadas, destacando uma peripécia que decorreu no café da aldeia, onde ganhou a alcunha “Apita Abílio”, que o acompanha até aos dias de hoje.
Tudo começou com a curiosidade de dois idosos de Carviçais, que pediram ao maquinista para fazerem a viagem entre os apeadeiros da Fonte do Prado e Mós, para verem como funcionava o comboio. Mas, a dada altura, um diz para o outro: “não te metas com os rapazes novos que ainda te metem na fornalha”. O medo apoderou-se dos dois homens e acabaram por não fazer a viagem, dizendo a Abílio Carvalho: “Quando passares nos locais mais perigosos, apita Abílio”.

Por: Francisco Pinto
O texto foi publicado no Jornal Nordeste em Novembro de 2006.
Fotografias: Aníbal Gonçalves

Linha do Sabor - Fotografias


A artigo sobre a Linha do Sabor despertou recordações a muitos dos visitantes do Blogue. Faziam falta algumas fotografias, mas já não faltam. Aqui estão elas, disponibilizadas por Rui Carvalho, de Carviçais. O meu muito obrigado.

26 março, 2009

Detalhes em Ferro 4

Também na Lousa podemos encontrar interessantes trabalhos em ferro forjado em muitos gradeamentos de escadas e varandas. Numa capela no meio da aldeia encontrei a sineta que a fotografia documenta. Este campanário não é em pedra como é mais usual, é em ferro forjado!

25 março, 2009

Peredo: segundo olhar

Agora que consegui "desviar os olhares" para Peredo dos Castelhanos, mostro outra característica da aldeia (não difere muito de outras do concelho): as casas são muito humildes, feitas de xisto. Nalgumas pedras encontramos sinais enigmáticos, marcas de gerações. Na porta lateral da igreja há uma mensagem escrita já bastante deteriorada. Alguém a decifrou? Porque está ali?

24 março, 2009

Olhares (Peredo dos Castelhanos)

Num momento em todos parecem tão inspirados (será da Primavera?) apeteceu-me tentar "trocadilhos" com esta fotografia tirada em Peredo dos Castelhanos. É que também há poesia no olhar, de quem fotografa, e de quem vê.

Trata-se do Alberto Mandelo, ex-emigrante, com casa logo ao cimo da aldeia, com pequena piscina e grandes horizontes vistos do seu quintal, de regresso a casa em hora crepuscular, a hora do Peredo, um inexorável entardecer da gente.
Tudo é difuso, até as duas presenças ao longe, como que desfocadas na névoa do tempo em que vai mergulhando o Peredo.
Conheci-o de novo, ao Alberto Mandelo, um mouro de trabalho numa servidão quotidiana de que se libertou, como tantos outros, rumando em direcção à França.
Mas nesta serenidade de tempo morto em que só a camisola é cor e os alforjes claridade, observe-se a coexistência da besta com o tractor, o xisto com o poste de electricidade, a janela de persianas brancas, o automóvel e a beleza crua da árvore despida à espera da Primavera (a única que se renova naquela geografia temporal).
É todo o universo da aldeia numa fotografia a que só falta o cão. O rosto olha mais para dentro do que para a parede escura. Como se não tivesse outro horizonte além dele mesmo.
Só o humano tem vida e cor nesta usura do tempo. Um tempo parado. Um tempo à espera que o tempo acabe.
É um olhar melancólico sobre a minha aldeia. Um olhar de que comungo.
Rogério Rodrigues

16 março, 2009

Jornada de apresentação de “A primeira comunhão”, de Júlia Guarda Ribeiro


Como aqui foi anunciado, decorreu, no passado sábado, dia 14 de Março, a apresentação pública, em Torre de Moncorvo, do livro de Júlia Guarda Ribeiro (cá na terra conhecida por Júlia “Biló”, o outro nome literário com que costuma assinar as obras mais referentes à nossa região), intitulado: “Primeira Comunhão”.
Depois de um excelente almoço-convívio num restaurante cá da vila, entre familiares e amigos/as (incluindo alguns “blogueiros”) a sessão de apresentação decorreu na biblioteca municipal, perante numeroso público.
Estiveram na mesa, além da Autora, o Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, Engº. Aires Ferreira, a Presidente da Junta de Freguesia de Torre de Moncorvo, Milú Pontes, o Dr. Adélio Amaro (editor), Doutora Graça Abranches (professora universitária e amiga da autora), e Drª. Lucinda Antunes (colega de infância da autora).
O Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, Engº. Aires Ferreira, gracejando, principiou por referir que estava ali, com o sr. editor, a “servir de jarra”, apenas para cumprir as quotas de presença (masculina, neste caso). Anunciou, de seguida, a reedição dos anteriores livros de Júlia Biló, “Contos ao luar de Agosto” (por já se encontrarem esgotados), e outros passos da política cultural do município para os próximos tempos.
Por sua vez, o editor, Adélio Amaro, replicou que o facto de “servirem de jarra”, significava que estavam rodeados de “lindas flores”, referindo-se às senhoras que estavam na mesa, suscitando a hilaridade e aplauso dos presentes. Fez, de seguida, uma apresentação geral do livro, a qual foi aprofundada por Graça Abranches, contextualizando-o na época em que a “acção” decorre (período do “Estado Novo”, finais dos anos 40), sendo a autora, juntamente com sua mãe, as principais protagonistas, sobrelevando o moralismo eclesial da época, os preconceitos sociais, as mentalidades e o enquadramento político (ditadura). Referiu-se ainda à capacidade “contística” da autora, já patente nos seus livros anteriores, fazendo uma análise intelectual, citando teóricos da literatura (que estudaram a literatura oral e, sobretudo, a arte de “contar” histórias) e da sociedade, mormente no aspecto da estética, como Walter Benjamin.
A Drª. Lucinda Antunes, que foi colega de Júlia Biló, na sua infância e adolescência passada em Torre de Moncorvo, referiu-se a esses tempos de companheirismo, enaltecendo as suas qualidades e recordando algumas peripécias.
Por fim, a autora, agradecendo as palavras dos intervenientes e das pessoas que quiseram estar presentes, explicitou melhor o contexto e a história de vida (pessoal) que foi objecto deste livro, assim como de outros, como os contos recolhidos junto das mulheres da Corredoira, analfabetas, mas carregando toda uma literatura (oral) e histórias de vida fantásticas. Evocou, por exemplo, a história do homem daquele bairro, que gostava de a ouvir ler histórias, e que muito se admirava por aquilo que ela dizia estar contido nos “risquinhos” que eram as linhas e as letras que estavam no livro: “ - A minha alma está de joelhos!”, foi a exclamação do velho homem, que Júlia Biló nunca mais esqueceu. Tendo lido alguns excertos do livro, terminou com uma referência ao nosso blogue e a alguns amigos que através deste espaço conheceu ou reencontrou, como foi o caso de Leonel Brito, Rogério Rodrigues e Daniel de Sousa, moncorvenses que estão longe da sua terra, mas que dela não se esquecem. Do Dr. Daniel de Sousa, médico cirurgião algures na região de Lisboa, leu a bela mensagem que fez questão de enviar e dois poemas, da sua colectânea “Café Il Greco”; de Rogério Rodrigues, jornalista e escritor, leu um poema intitulado “Femina, Femina”, dedicado à Mulher.
Houve, a encerrar, uma concorrida sessão de autógrafos e um Porto de Honra, servido no ambiente aprazível dos jardins da biblioteca, em ambiente de convívio e descontracção até ao fim da tarde.

Sobre a autora e o livro “Primeira Comunhão”, ver:
http://livros.paravenda.net/produtos/932-j%C3%BAlia_guarda_ribeiro_primeira_comunh%C3%A3o.aspx

Texto: N. Campos
Fotografias: Xo_oX

14 março, 2009

Na natureza à nossa volta

A atenção do blogue tem-se centrado nos livros, mas, com a subida da temperatura a vida desperta em cada fresta de rocha e em cada prado à nossa volta. Esta espécie vegetal foi fotografada junto ao rio Douro, no final do mês passado. Como não tive ainda tempo para tentar a sua identificação, fica o desafio aos amantes da natureza e curiosos pela sistemática.

06 março, 2009

Detalhes em Ferro 3

Nem só o que é velho e ferrugento chama a atenção do fotógrafo (embora isso aconteça com muita frequência). Os Detalhes em Ferro da fotografia (ferro fundido e ferro forjado), foram captados em Peredo dos Castelhanos num portão muito, muito recente.

05 março, 2009

Cruzeiro de Nossa Senhora da Piedade


O Cruzeiro de Nossa Senhora da Piedade, em Urros, Classificado Imóvel de Interesse Público. Está situado entre a aglomerado populacional e a Capela de Santo Apolinário.

04 março, 2009

Peredo dos Castelhanos, 28 de Fevereiro de 2009

A minha escola era bonita.
Foi nela que descobri as palavras
Os números, os jogos, as cores,
Amigos, amigas ... amores.
Nela não havia tempo,
Porque o tempo era infinito.
Nela não havia espaço
Porque era todo o espaço
Necessário para ser feliz.
Havia flores todo o ano!
No Inverno, de amendoeira,
Mas também de lírios, lilases,
E mil pétalas de roseiras.
Hoje a minha escola está bonita
Brilha de tão caiada
Mas o silêncio é grande...
Ninguém fala, ninguém corre,
Falta-lhe a garotada.
Fecho os olhos...
Lá estão eles, muitas faces a sorrir!
Há muita vida na escola,
Sempre que eu quiser cá vir.
A minha escola é a mais bonita do mundo.

Carlos Santos

01 março, 2009

À Descoberta das amendoeiras em Flor


O tema das Amendoeiras em Flor é transversal a uma série de concelhos. Guardo com carinho a 1.ª edição do Guia Turístico “Rota da Amendoeira” editado em 2001, referente a Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Miranda do Douro, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila Flor e Vila Nova de Foz Côa. Conhecedor mais ou menos profundo destes concelhos, não necessito de um Guia Turístico, mas mostra a vontade que estes concelhos têm em venderem uma imagem, a Amendoeira em Flor. Vivi em Torre de Moncorvo nos anos áureos das excursões. Eram dezenas, senão centenas de autocarros que se amontoavam na Corredoura (antes do arranjo urbanístico).
Este ano decidi “criar” um Rota da Amendoeira em Flor, para um passeio de família. Visitar locais onde não passávamos há mais de 10 anos, outros onde nunca tínhamos ido, apreciar a paisagem, o artesanato, a gastronomia, mas, sobretudo, ir ao encontro da beleza das amendoeiras em flor, foi o objectivo. Decidi publicar o percurso porque pode dar ideias a outras pessoas que querem beneficiar do privilégio de passar um dia de puro prazer nas pequenas estradas de Trás-os-Montes.
Saímos de Vila Flor ao início da manhã. O dia não estava nada daquilo que eu desejaria (para a fotografia) com o céu repleto de nuvens. Uma atmosfera muito, muito cinzenta, mas com uma temperatura muito agradável.
As amendoeiras em flor apareceram logo dentro da vila. Ao longo da estrada que conduz a Sampaio (N608) há algumas flores que já perderam as pétalas, mas o espectáculo ainda é digno de se ver. Ao longo da N102 (E802) entre Sampaio e a barragem do Pocinho, encontram-se vários locais com muitas amendoeiras em flor. Um bom exemplo são as encostas na Quinta da Portela, mas há amendoeiras por todo o lado.
De junto das comportas da barragem do Pocinho, na margem direita, parte uma estreita estrada que faz a ligação às aldeias de Urros e Peredos dos Castelhanos. Conheci essa estrada há quase duas décadas, quando ainda nem sequer estava asfaltada! Desde essa altura, pouco mudou. Durante algum tempo as curvas acompanham o rio, serpenteando nas entranhas da terra. A foz da Ribeira do Arroio veio separar-nos definitivamente do rio. Depois de a atravessarmos, numa estreita ponte (que assustadora era!), começámos a subir até perto dos 600 metros de altitude. Nesta zona há muitas amendoeiras em flor, mas a maior parte dos delas estão abandonadas. É uma das estradas panorâmicas mais bonitas que conheço no concelho de Torre de Moncorvo. Encontrámos no seu final a N603. Pode ser uma boa oportunidade para virar à direita e fazer uma rápida visita a Peredo dos Castelhanos. À esquerda é a direcção de Urros. Foi nesta zona que encontrei as mais bonitas amendoeiras em flor! Quase todas as flores são de um rosa acentuado, dão uma tonalidade forte e uniforme ao amendoal.
Para saborear toda a paz que nos invade, depois de algumas horas por locais tão pouco frequentados, alguns minutos junto à igreja de S. Apolinário dão também alguma mística ao passeio. Nesta espécie de santuário a algumas centenas de metros do povoado, fomos encontrar uma fonte. A água desta fonte era apontada como sendo milagrosa (1726), mas, actualmente, apenas é vista como digestiva. Foi o próprio S. Apolinário que fez brotar a água da rocha, para saciar a sede com que vinha, depois de atravessar o Douro. Muito havia para ver em Urros, mas partimos em direcção à Barragem das Olgas, ainda em construção, local onde se confrontam o concelho de Torre de Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta. Deixámos a N630 e seguimos à direita para Ligares. Atravessámos a aldeia pela Rua do Cimo do Povo, contornámos a igreja e seguimos para o Largo de S. Cruz.
Retomámos a estrada N325 que desce a encosta até à Ribeira do Mosteiro. Neste trajecto ainda há muitas amendoeiras que não floriram, o que significa que este percurso se vai manter bonito por mais alguns dias. Mais uma vez se vislumbram largas encostas onde a amendoeira já foi rainha. O abandono é a nota predominante, mas, onde as amendoeiras estão cuidadas, as flores são mais fartas e mais coloridas.
Depois das Quintas da Ribeira e de S. Tiago, a estrada divide-se: em frente desce-se pela N325 até Barca de Alva; à esquerda sobe-se pela N325-1 até Freixo de Espada à Cinta. O meu desejo era seguir em frente, pois adoro percorrer esta estrada onde nos sentimos muito pequenos face à agressividade das massas rochosas que nos rodeiam. Da foz da Ribeira do Mosteiro até Freixo, é bem possível que ainda haja muitas amendoeiras em flor (ao longo da N221).
A opção foi virar à esquerda em direcção a Freixo. O “relógio” solar (e não só), já nos indicava que estava na hora de almoço.
Nesta zona também há muitas amendoeiras em flor. Até uma pequena raposa se passeava entre elas, indiferente aos potenciais flashes dos turistas.
Em Freixo, estacionámos o carro junto da Câmara Municipal. O recinto da feira era um pouco distante, mas havia um autocarro a transportar gratuitamente os que o desejassem. Estávamos dispostos a almoçar na feira (Feira Transfronteiriça/Feira dos Gostos e Saberes), até porque se tratava de uma feira de sabores. Procurámos o pavilhão de restauração, onde havia poucos lugares vazios. O primeiro contacto foi decepcionante e a refeição tornou-se um fiasco.
Procurávamos comer alguma coisa regional, mas as opções eram poucas: leitão e picanha. O vinho tinha que ser obrigatoriamente do Alentejo! O leitão não se conseguia comer, estava cru; as batatas fritas eram de pacote e o pão só chegou depois de muita insistência. “Matei” a fome com alguns feijões pretos gentilmente cedidos e partilhados com a mesa ao lado. Manifestei o meu descontentamento e pedi uma factura (que obviamente não me foi passada). A organização da feira devia estar atenta ao péssimo serviço que esta empresa (La Brasa) estava ali a prestar. Além de que deviam apostar em servir os produtos regionais tais como as azeitonas, o fumeiro e o vinho. Esta lacuna também se nota na feita TerraFlor, em Vila Flor.
Não ficámos muito bem dispostos e demorámos pouco na feira. Apesar de tudo, é interessante a aposta no lado de lá da fronteira (ou eles no lado de cá?). O espaço envolvente está muito bem estruturado e o pavilhão da feira mostra coisas interessantes. Afinal ali estavam os verdadeiros sabores, só que já era demasiado tarde!
A viagem continuou em direcção a norte (pela N221); o objectivo era visitar Mazouco. Neste troço quase não existem amendoeiras, a não ser à saída de Freixo até à Zona Industrial.
As gravuras rupestres de Mazouco nunca tinham sido visitadas por qualquer um de nós e, pela sua importância na arte do Paleolítico Superior, em Portugal e na Europa, merecem bem uma visita. As amendoeiras partilham com as oliveiras e laranjeiras, os socalcos entre Mazouco e o rio Douro. Para além da discussão carvalo-carneiro, a beleza da paisagem e a admiração de arte milenar, são um bom convite para uma outra rota À Descoberta das amendoeiras em Foz Côa e da arte do Vale do Côa.
No caminho de regresso, nas últimas casas de Mazouco virámos à direita, seguindo uma estrada (620) que nos coloca num belo miradouro sobre o Douro. Infelizmente as condições atmosféricas já não eram as melhores.
Seguimos à direita (de novo na N221) até à Estação de Freixo e depois à esquerda em direcção a Torre de Moncorvo. Neste troço da estrada até ao Carvalhal ainda há poucas amendoeiras em flor. Entrámos em Carviçais à procura de mais alguns Detalhes em Ferro.
Como não havia muitas amendoeiras com flor, fizemos uma visita ao bar na estação, no Larinho. É um bom espaço para tomar um refresco, ao fim da tarde.
Regressámos à estrada em direcção a Moncorvo. A XXIII Feira de Artesanato está prestes a encerrar. São já 23 feiras e eu visitei grande parte delas. Algumas das presenças são sempre interessantes de observar e saborear como os quadros feitos com escamas de peixe ou casca de alho e as tradicionais amêndoas de Torre de Moncorvo, outras já pouco dizem.
A viagem de regresso a Vila Flor é feita pela N325 até à ponte sobre o Sabor. Depois de se entrar no concelho de Vila Flor, depois da Junqueira, utiliza-se a N215, cheia de curvas mas com boas vistas panorâmicas. Estas são estradas a evitar no dia-a-dia, mas são as ideais para um calmo passeio, em busca de belas Amendoeiras em Flor.

Outras fotografias deste percurso: